sábado, 3 de agosto de 2013

ALENTEJO: «O mundo é pequeno, o Alentejo é imenso.»- Eucanaã Ferraz

JOÃO E MARIA

O Alentejo não tem caroço nem casca,
não tem paredes nem teto; certa vez

um velho deixou suas memórias sobre a mesa
todas queimaram, porque os fantasmas lá

não resistem à luz que se lança de altas espigas
para o pátio onde cada faísca risca e dança

entre sobreiros junhos girassóis e dura
mesmo noite adentro. Sente o cheiro

da madeira queimada? São fantasmas, nada.
O mundo é pequeno, o Alentejo é imenso

e lá estava o homem depois de todas as viagens
sem poder dizer de si mesmo algo como:

o dono e seu retorno. Afinal, onde a casa
o relógio a mulher o cachorro o nome?

O retrato da Virgem a lâmpada a cama onde?
Desdobra-se o horizonte em céus em dunas

de poeira em túnicas no vento em fios
e não há nunca filhos ou amigos ou espelho.

Que lugar a cidade a fidelidade urdindo
desfazendo e outra vez os anéis sem fim

da espera? Indaga os livros os mortos
até que as areias do mar, do mar que

parecia distante,
lentamente - não, de repente - cobrem-lhe

a voz e o tempo. O mundo
é pequeno, o Alentejo é imenso.

Eucanaã Ferraz (Rio de Janeiro, 1961; - ), Relâmpago, n.º 31 - 32, Abril de 2013, pp. 175, 6