sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Fumadores (só para) - Jullio Ramón Ribeyro

Recorte do conto inicial de A palavra do mudo:

         Os escritores, por regra, são grandes fumadores. Mas é curioso que não tenham escrito livros sobre o vício do cigarro, como escreveram sobre o jogo, a droga ou o álcool. Onde estão o Dostoieski, o De Quincey ou o Malcom Lowry do cigarro? A primeira referência literária ao tabaco que conheço data do séc. XVII e encontra-se no Don Juan de Moliére. A obra arranca com a frase: «Diga o que disser  Aristóteles e toda a filosofia, não há nada que se compare ao tabaco...Quem vive sem tabaco não merece viver.»Desconheço se Molière era fumador - se bem que naquela época o tabaco era aspirado pelo nariz ou mascado -, mas esta frase sempre me pareceu pioneira e profunda, digna de ser tomada como divisa pelos fumadores. Os grandes romancistas do século XIX - Balzac, Dickens, Tolstoi - ignoraram por completo a questão do tabagismo, e nenhuma das suas centenas de personagens, tanto quanto me lembro, teve alguma coisa a ver com o cigarro. Para encontrar referências literárias a este vício é preciso avançar até ao século XX. Na Montanha Mágica, Thomas Man põe estas palavras nos lábios do seu herói, Hans Castorp: «Não percebo como se pode viver sem fumar... Quando acordo, fico feliz por saber que poderei fumar durante o dia, e quando estou a comer tenho o mesmo pensamento. Sim, posso dizer que me alimento para poder fumar... Um dia sem tabaco seria o cúmulo do aborrecimento. Seria para mim um dia absolutamente vazio e insípido. e se pela manhã tivesse de dizer a mim mesmo que hoje não fumo, julgo que não teria coragem de me levantar.» [...]
 
«Só para fumadores», in A palavra do mudo (1965), Julio Ramón Ribeyro, 2012, Porto,  Edições Ahab, p. 18